21.3.06

Dia Mundial da Poesia

(Larga aqui, o Poeta que há em ti)

6.3.06

Desafio (III)


Desafio a quem por aqui passa , a interpretar esta imagem !
Agradecia que enviassem os vossos textos para
tozribeiro@gmail.com

Desde já , o meu muito Obrigado !
(Aguardando...ansiosamente)

Pombos

Observo os pombos
Vejo como voam livres
Comem a comida que lhes dão,
Vivem em comunidade.
Eu para aqui sozinho
Procuro a sua companhia.
Penso ao mesmo tempo
Que gostava de ser pombo
Para não ver guerras, fome, políticos
Assim passo os dias sempre iguais
Sem família, sem amigos…
Os pombos são a minha companhia.
Já me conhecem tão bem
Que mal chego cumprimentam-me
Vêm comer à minha mão
Falo – lhes da minha vida
Eles ouvem-me atentamente.
Quando me vou embora
Acompanham-me até ao fim do jardim
E prometo-lhes que no dia seguinte voltarei.

Por: Wind

Os pombos, formando uma manta de retalhos pouco colorida, levantaram voo quando ele se aproximou. Mas as cores pouco variadas dos pombos voltaram aos tombos, em poucos segundos, algo imundos. O homem da boina, que antes só estava de passagem, deixara de ser miragem e passara a habitué, conhecia-os pelos nomes: “Anda cá Catita! Sai daí Bonita! Oh, Zé, então hoje não vens aqui ao pé?”

O homem sorria por debaixo da boina, ao olhar para aquela manta de retalhos feita de pombos que pulavam, caminhavam, voavam, numa correria animada.

Por alguns momentos, tudo pareceu ficar cinzento, promovendo aquela confusão pombalina de migalhas de pão! Foi como se o mundo parasse durante um segundo! Sem se pasmar, aquele arrulhar lá continuou na praça que o gerou, e nem se importou com o homem da boina que passou, que com eles falou e que a pão os alimentou!

Por: Eco de mim

Desde que a morte da mulher o surpreendeu numa tarde fria e chuvosa, parece que toda a casa enegreceu, povoada de silêncios pesados, tão pesados que nem os sons da televisão conseguem enganar. Ele liga o aparelho só porque ela o costumava ligar para ele, como que a prolongar um gesto, uma memória...falta-lhe a sensação de presença que o seu próprio corpo não consegue imitar.

Acomodado na sua solidão, espera os dias solarengos para ir para o parque fazer de conta que todo o negrume que transporta já não existe, que tudo são os verdes das plantas e os cantares dos pássaros; ele mantém o saco do milho sempre pronto no bengaleiro, exactamente como ela fazia com o aproximar dos dias mais amenos, teve de descobrir onde o comprar e ainda não aprendeu muito bem, a dar aquele nó que se desatava tão facilmente.

Assim que um dia amanheceu mais ensolarado, ele pensou para si: “ hoje vamos Laurinda, já tens o milho e o pão?”, embora soubesse que tudo estava preparado, sentia necessidade de fazer a pergunta, assim como parece ainda ouvir a derradeira pergunta antes de saírem: “ Joaquim, já viste se tens dinheiro no porta-moedas? Pode apetecer-nos qualquer coisa”. Nunca lhes apetecia nada, a não ser sentir o ar e o sol no rosto, comentar futilidades e depois lançar o milho em gestos largos, como uma benção e ver a imensidão de pombas que surgiam, vindas de todos os lados, rodeando-os até terem de se proteger de uma intervenção em força, despejando o saco para o meio das pombas, ao mesmo tempo que fugiam a rir de mãos dadas...

Ele agora já não foge, já deixa que pousem nos seus ombros e na bóina e o toquem com as suas asas e comam nas suas mãos, e ele sussurra: “a Laurinda tem medo de vocês, mas ela hoje não veio venham, venham comer...”

Por: Ivamarle

(relativamente a uma bela fotografia de pombos e pombas)
Queda

Houve um tempo em que eu quis voar.
Estava aberta a porta e eu saí, como se fosse ali fora apenas para respirar outro ar e saber novidades.

Não sei bem se é assim que se começa a querer voar mas foi assim que aconteceu comigo.
Do lado de lá da porta - e a mim interessa-me aquilo que está do lado de lá da porta - sentia que o espaço era mais largo, fosse isso o que fosse.
Porque eu não sabia.

O que eu sabia era apenas o resultado de uma operação de elementar inteligência: não há abismos; nada acaba abruptamente; a seguir há sempre mais e mais.
Dir-se-ia que o meu horror ao vácuo era pura descrença.

A primeira palavra que terei dito, fora do expectável da criança que aprende a falar, foi 'aquilo'.
Mas isso foi muito antes de ter essa impressão de que poderia voar.
Muito antes de pensar que havia um lado de lá desejável e promissor.

Mas gosto de pensar - pura vaidade - que aquilo a que o meu 'aquilo' se referia, era já a incógnita de um lugar que ainda não sabia.
Era já o espaço onde tudo existe em potência.
Os gatos raramente se preocupam com o que vêem.

As ansiedades que os tomam são sempre estranhezas e ausências - o que se não vê mas está presente na forma oculta ou disfarçada.

O meu voo, naquela ocasião de porta aberta, naquele desejo de um lugar de estranheza e sobreposição, nascia inocente, do querer olhar para trás e conseguir ver a totalidade.
Voar seria então, estar à altura do impensável, coabitar com o infinito, ver o invisível.
À tarde o avô levava-me ao jardim e os pombos vinham comer as migalhas das bolachas aos meus pés, antes de ousarem bicar com perícia a palma da minha mão.

Estranhava que podendo eles voar, podendo eles seguir um rumo de excesso para a distância em que se vê um largo horizonte, preferissem ficar ali comigo, na magreza de uma migalha.
Embora não compreendesse agradava-me aquela dedicação.

Num momento, infância, é-se o centro, a importância, o filho, o neto, a causa.

Só mais tarde dei conta de as novidades durarem apenas um instante.

Só muito mais tarde percebi que o mundo é uma metáfora de si próprio.

Só ainda mais tarde acreditei que acabamos sempre trocando voos por migalhas.

Por: Sísifo

Asas paradas são penas

Não me apetecia vir falar de penas. Embora as tenhas desfocado na imagem que o teu olhar representou. Aliás não sabes bem por que razão as desfocaste, mas a verdade é que quando viste a imagem, depois de apanhada a realidade dentro de linhas fechadas, presa no tempo, olhaste e viste que as penas não tinham nitidez.

Coisa estranha, pensaste!

Tinhas tentado captar as asas pensando que a simbologia, sendo especial, te deixaria uma fabulosa recordação. A recordação do momento em que o velho se rendeu ao voo e ficou parado. Porque foi o velho que o teu olhar visualizou, foi nele que pensaste, na sua pose rendida, de olhos no chão, a lembrar tempos em que tinha asas e voava.

Então eu explico-te: dentro das linhas prisioneiras da imagem não cabem asas.

Asas paradas são coisas trágicas.

Ficaram as penas.

Por: Elipse