18.1.06

Acerca de gatos...



Em Abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra,
uma gata que não parava em casa:
fornicava e paria no pinhal,
não lhe tive afeição que durasse,
nem ela a merecia, de tão puta.
Só muitos anos depois entrou em casa,
para ser senhora dela,
o pequeno persa azul.
A beleza vira-nos a alma do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida aberta
que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal na barriga.
É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos,
e partilhe
a leitura do Público ao domingo.

(Eugénio de Andrade)